quinta-feira, 26 de novembro de 2015

EXTERMINANDO O COMPLEXO DE VIRA-LATA

Valorizando nossas realizações pioneiras

Na postagem anterior deste blog foi apresentado um trecho da entrevista com Ricardo Bocão, explicando sobre o seu processo criativo ao inventar as pranchas de 4 quilhas. Vamos trazer à luz mais alguns acontecimentos em que surfistas brasileiros tomaram uma frente influente, pioneira, e arrojada na evolução do surf.

ABERTURA DE UM DOS EPISÓDIOS DA SÉRIE “MAD DOGS” DO CANAL OFF
FOTO TIRADA COM CELULAR

O filme original, mais a brilhante série dirigida por Roberto Studart, também coloca alguns pingos nos “is”, em importantes acontecimentos históricos do surf, ao dar o verdadeiro valor aos surfistas brasileiros (baianos) que transformaram a abordagem da onda de Peahi, em Maui, de tow-in para surf na remada.
Mas esta é a mais recente das façanhas de brasileiros que irei destacar aqui. Selecionei 6 MOMENTOS, das seis últimas décadas, para dar um destaque. Estes são apenas alguns dos fatos isolados que tem a sua significativa perspectiva e serão abordados no livro A GRANDE HISTÓRIA DO SURF BRASILEIRO, projetado para ser lançado em 2016.

ANOS 60
PENHO E A PRIMEIRA MINI MODEL
Carlos Eduardo Siqueira Soares, foi o primeiro surfista brasileiro a se jogar para surfar no Hawaii, isso em 1967. Disputou o extinto e antológico campeonato de Makaha. Só que o ato pioneiro e transformador dele foi trazer a primeira prancha MINI MODEL para a América do Sul.

PENHO DE AZUL E OS AMIGOS PERUANOS GORDO E FLACO BARREDA
REPRODUÇÃO DE FOTO DO ARQUIVO PESSOAL DE PENHO

Aqui no Brasil ele conheceu e recebeu bem alguns amigos peruanos. Quando ele chegou no Peru foi recebido pela família Barreda, de alguns dos melhores surfistas de lá. O Peru já tinha uma tradição no surf, em 1965 Felipe Pomar venceu o World Contest, realizado em Punta Rocas e que contou com grandes surfistas do Hawaii, Austrália e Califórnia. Até 1967 o surf era praticado em pranchões.
Na temporada 1967 \ 68, já no Hawaii, Penho tomou contato com Bob McTavish, Nat Young, outros australianos e os shapers havaianos que aderiam ao movimento - Shortboard Revolution. Com a ajuda de John Mobley, que trabalhava na Pacific Surfboards, Penho produziu uma 7’2”.

DETALHE DAS PRANCHAS EM LIMA NO PERU
AS DUAS DAS PONTAS FORAM AS QUE PENHO TROUXE PARA O BRASIL
A MINI MODEL É A MENOR DA DIREITA
NA PONTA ESQUERDA UMA “BABY GUN” QUE ELE FEZ DEPOIS QUE PARTIU AO MEIO UMA IGUAL NO HAWAII

As três pranchas que estão no meio Penho ajudou e ensinou seus amigos peruanos a produzir. Flaco Barreda fez as primeiras mini models do Peru. No Brasil a chegada de Penho provocou a transição para um novo tipo de surf, no qual ele foi protagonista, uma espécie de guru, para a nova geração que passou a evoluir no ambiente das “pranchinhas”.

ANOS 70
A ERA DO PATROCÍNIO COMEÇOU NO BRASIL
Outro importante ato de pioneirismo, foi a busca pelos primeiros patrocínios. As pranchas eram limpas, tinham a marca do fabricante, um raio das pranchas Lightning Bolt. Entre os finalistas do Pipeline Masters em 1976, o brasileiro Pepê Lopes era o único que trazia um logo na prancha.

ACIMA, REPRODUÇÃO DE PÁGINA DO LIVRO DE ALEX GUTENBERG
PUBLICADO PELA EDITORA AZUL (FLUIR) EM 1989

ABAIXO, DETALHE DE PÁGINA DO PERFIL DE PEPÊ LOPES EM UMA REVISTA BRASIL SURF DO INÍCIO DE 1977, COM O LOGO DO JORNAL DO BRASIL EM DESTAQUE
É interessante destacar que foi na temporada 1976\77 que os australianos formaram a equipe “Bronzed Aussies” o time original era composto por Mark Warren, vencedor do campeonato Smirnoff em Sunset Beach; Ian Cairns que venceu a World Cup, em Haleiwa; e Peter Townend, primeiro campeão mundial da IPS. Só a partir de 1977 eles passaram a colocar o brazão da equipe na prancha, mas não havia nenhum patrocínio. Em dezembro de 1976 Pepê chegou com patrocínio (de bico) no Hawaii.

Ainda estou fazendo um cruzamento minucioso com as revistas importadas de minha coleção e as Brasil Surf para verificar as primeiras fotos publicadas e datas em que surfistas colocaram logomarcas (que não de fabricantes de prancha) como a principal.
No ano de 1978 o diretor da Brasil Surf, Alberto Pecegueiro, fez uma reportagem destacando esse fenômeno no Brasil. O fato que fica claro é que esta primeira geração de profissionais brasileiros foi pioneira na magnitude da captação de patrocínio, em uma época anterior ao crescimento da importância da surfwear.

REPRODUÇÃO DE ABERTURA DA MATÉRIA
PUBLICADA NA EDIÇÃO DE JULHO \ AGOSTO DE 1978

PÁGINA DA BRASIL SURF COM CAULI RODRIGUES (RADIO CIDADE) ACIMA E AS DUAS EMPRESAS DE REFRIGERANTES COM OTÁVIO PACHECO E DANIEL FRIEDMANN, ABAIXO
FOTOS DE NILTON BARBOSA

ANOS 80
ORGANIZAÇÃO DE CAMPEONATOS “MODELO”
Na segunda metade dos anos 80 com o retorno do circuito mundial ao Brasil e a formação da Abrasp a partir de 1987, começamos a realizar competições (festivais) de surf cada vez mais bem organizados e estruturados.

O SUNDEK CLASSIC DE 1988 PASSOU DE UM EVENTO ABRASP, PARA UMA ETAPA DA ASP, VALENDO PONTOS PARA O TÍTULO MUNDIAL. FOI MONTADA UMA GRANDE ARQUIBANCADA EM ITAMAMBUCA QUE LOTOU

A grande razão para esta excelência em termos de realização de campeonatos se deu em função do surgimento de uma geração de profissionais que buscaram um aperfeiçoamento na montagem destes eventos. Desde Paulo Issa em Ubatuba, passando pelos cariocas Arnaldo Spyer e Roberto Perdigão, que seguiram para o Sul e se juntaram a Flávio Boabaid, ganhando a colaboração de produtores como Dany Boi, tudo viabilizado pela visão dos empresários da surfwear brasileira como Sidão, Alfio, Fico, Zé Roberto Rangel, os irmãos Rego e Ermínio Nadin que deram o suporte para que passássemos de copiar as estruturas internacionais, para gerar modelos e magnitudes que foram copiadas mundo a fora. Fizemos escola nesse quesito.

REPRODUÇÃO DE PÁGINA DA REVISTA INSIDE
COM FLÁVIO BOABAID NO MEGAFONE (À ESQUERDA), SIDÃO E ROBERTO PERDIGÃO COM SEU CLÁSSICO BIGODE, MAIS AO FUNDO
FOTOS: FLÁVIO VIDIGAL

ANOS 90
WEBCASTS, INVENÇÃO BRASILEIRA
Neste blog já fiz uma postagem sobre o trabalho da Beach Byte e as inovações que tiveram sua origem com uma turma de Niterói, Mano Ziul, Celsinho e Alexandre Cury. Vejam um pouco desta história no link abaixo:
http://surfdragonblog.blogspot.com.br/2014/11/evolucao-dos-webcasts.html


EM 2006, NO EVENTO BILLABONG GIRLS EM ITACARÉ, FOI INAUGURADO O SISTEMA DE REPLAY PARA OS JUÍZES. À ESQUERDA O TERMINAL PARA DIGITAR AS NOTAS E DO LADO DIREITO O MONITOR PARA CADA JUIZ VER O SEU REPLAY SEM PERDER A ATENÇÃO DA ÁGUA.

ANOS 2000
MÁQUINAS DE SHAPE ESPALHADAS PELO GLOBO
Ainda nos anos 90 o surfista, médico e shaper das Surface Surfboards, Luciano Leão, começou a conceber a máquina DSD (Digital Surf Designs), nos anos 2000 o invento se provou tão eficiente e funcional que era a máquina instalada em maior quantidade pelo mundo afora.

IMAGEM FEITA COM MEU CELULAR DA MÁQUINA SURF CAD – DSD
REPRODUÇÃO DO FILME “LINHAS, ARCOS & CURVAS” DE PEDRO CEZAR

Todos estes episódios e a evolução natural deles serão abordadas com maior profundidade e de forma mais elaborada no livro A GRANDE HISTÓRIA DO SURF BRASILEIRO, este blog, que vai funcionar em paralelo com a produção e o lançamento do livro, estará registrando diversas informações que ficarão disponíveis para pesquisa dos interessados.
Para finalizar esta postagem, o assunto (façanha) mais recente e que me deu a ideia do título. Peguei apenas seis temas, distribuídos por seis diferentes décadas, mas que podem encher de orgulho todos os surfistas brasileiros por sua representatividade no cenário internacional.

ANOS 10
OS MAD DOGS E A REMADA EM JAWS
Danilo Couto venceu o prêmio Billabong XXL em 2011 e continuou atacando as ondas de Jaws, para a esquerda e para a direita, com ou sem patrocínio, ao lado de seus corajosos amigos da Bahia, Márcio Freire e Yuri Soledade.  

DANILO COUTO INSCRITO NA CATEGORIA MAIOR ONDA NA REMADA EM TEMPORADA RECENTE. FOTO: FRED POMPERMAYER

O filme Mad Dogs gerou grande polêmica por seu nome não estar na lista dos convidados para o evento de Peahi da WSL. Ele sempre foi um dos maiores destaques lá nas sessões de remada. Este ano ele ainda está como um dos primeiros alternates do Quiksilver – In Memory of Eddie Aikau. A expectativa é que Danilo Couto consiga participar dos dois eventos, caso aconteçam.

DANILO COUTO EM ENTREVISTA AO FOTÓGRAFO BRUNO LEMOS PARA O CANAL WOOHOO. ELE ESTÁ DE PATROCÍNIO NOVO E PRONTO PARA AS BOMBAS
OS MAD DOGS ORIGINAIS: YURI SOLEDADE, MÁRCIO FREIRE E DANILO COUTO
FOTO: RICARDO CALIL, EXTRAÍDA DO SITE GLOBALGARBAGE.ORG

As incríveis aventuras dos surfistas brasileiros nas ondas grandes e seus big riders serão temas deste blog em diversas ocasiões. Lembrando os feitos do passado e também trazendo a concretização de sonhos de superação atuais, simplesmente porque a história nunca acaba de ser escrita.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

BOCÃO – PARTE 2 – AS 4 QUILHAS

Colocando alguns pingos nos “iiiis”

Ricardo Bocão já foi protagonista de uma postagem deste blog, em julho de 2014. Aqui vamos falar especificamente de sua invenção em design, as pranchas de 4 quilhas.

REPRODUÇÃO DA ABERTURA DE MATÉRIA DE AUTORIA DO FOTÓGRAFO BRUNO ALVES PUBLICADA NA FLUIR NÚMERO 3, NO INÍCIO DE 1984

Bocão teve o insight para inventar as pranchas de 4 quilhas em 1981. Minha ideia para fazer esta postagem surgiu ao reler na mais nova Fluir, a edição de aniversário, na qual saiu publicada uma matéria que fiz com a entrevista de Penho (Carlos Eduardo Siqueira Soares), para o projeto de pesquisa do meu livro. O editor chefe, Adrian Kojin, viu um teaser neste blog, em uma postagem sobre Saquarema e me solicitou que desenvolvesse um texto especial, mais abrangente. A matéria saiu com 14 páginas e certamente seria impossível colocar todas estas informações, tanto da matéria na Fluir, como os detalhes apresentados aqui neste blog, no livro. Ambos, Penho e Bocão, foram pioneiros e instrumentais no desenvolvimento dos designs.
O insight para fazer esta postagem (e o título) veio do fecho da introdução que Adrian preparou:

REPRODUÇÃO DA INTRODUÇÃO DA MATÉRIA SOBRE PENHO
CLICK E AMPLIEM QUE É POSSÍVEL LER
PENHO 
ABERTURA PUBLICADA NA FLUIR DE OUTUBRO 2015
EDIÇÃO DE 32 ANOS
FOTOS DO ARQUIVO PESSOAL DE PENHO;
TITO ROSEMBERG (ARPOADOR) ; FEDOCA (PÍER)

CAPA DA EDIÇÃO DE ANIVERSÁRIO
JOHN JOHN FLORENCE, TAHITI
FOTO: DOMINIC MOSQUEIRA

Voltando ao assunto principal deste post, as 4 quilhas de Ricardo Bocão, coloco abaixo mais um trecho da grande entrevista que fiz com Bocão, na sede do Canal WooHoo, em maio de 2013. Fiz edições mínimas, resguardando a espontaneidade com que ele me contou esta história. Bocão ainda está preparando um livro, com Marcelus Viana do Canal Off, trazendo a história completa das Quatro Quilhas.

 BOCÃO E SEU QUIVER DA TEMPORADA 1981 \ 1982
SUNSET PARKING LOT
FOTO: PAUL COHEN
REPRODUÇÃO DA VISUAL ESPORTIVO Nº 14

Com a palavra, Bocão, colocando outros pingos nos Is:
“Inventei as pranchas de 4 quilhas em maio \ junho de 1981, logo depois que o Simon Anderson apareceu com as pranchas de 3 quilhas (Thrusters). A história do Simon Anderson é muito simples e a história das 4 quilhas também é muito simples. Simon Anderson inventou a 3 quilhas, ou melhor, apareceu para o mundo com a 3 quilhas a primeira vez na Semana Santa de 1981, em Bells Beach. E chocou ao ganhar o campeonato em Bells com 15 pés de onda, usando um modelo de prancha diferente.

O que que o mundo surfava na Semana Santa de 1981, quando ele ganhou Bells?
Biquilhas.
Todo mundo usava as biquilhas que Mark Richards havia recriado em 1979. De 78 para 79. MR começou a dominar o circuito mundial, ganhou quatro títulos seguidos. No meio desse processo, no início de 1981, ou até no ano de 1980, quando começou o terceiro ano do domínio dele de biquilha... Lembre que todo mundo surfava de biquilha (a não ser no North Shore – mas isso era para ondas grandes). Tinha um ou outro surfando de single fin, o Cheyne Horan era um rebelde, mas todo mundo usava biquilhas. Eu, você... Para o surf hot dog e até um pouquinho maior, todos usavam biquilhas. Essa era a prancha comum.
Veio o Simon Anderson e ganha Bells, que quebrou pequeno, médio e depois veio aquele swell de 15 pés. Ele de triquilha. E todo mundo: ‘Uau, que prancha é essa?!!’ Ninguém tinha visto.
E três semanas depois ele venceu o Coke, em Narrabeen. Ninguém pode negar que a aceitação imediata das 3 quilhas veio por conta disso. Ele vai lá e venceu Bells em ondas de 15 pés e semanas depois, na mesma perna do circuito mundial, de costas para a onda, em ondas pequenas, ele venceu o Coke, em Sidney. Foi uma febre. Imediata, instantânea.
E aí, o Valdir Vargas que estava lá, na Austrália, sai de lá, passou por Bali para pegar umas ondinhas e chegou no Brasil com uma McCoy de 3 quilhas. No meio de 1981 ele chegou com a primeira 3 quilhas no Brasil.

O Penho trouxe a primeira mini model para o Brasil, eu acho que o Valdir chegou aqui com a primeira triquilha. Eu tenho certeza. Fica faltando alguém provar que não foi. E lembre-se, que em 1981 não havia internet, surf na TV, a informação não corria tão rápida. A informação era boca a boca. A Visual Esportivo, que era a única revista, demorava dois meses para sair. Quando ela saia tinha assuntos de quatro meses atrás. E a Surfer americana idem, que chegava aqui de navio.
Então, quando o Valdir chegou com a 3 quilhas aqui, ninguém nem sabia direito o que estava acontecendo.

Nessa época eu shapeava para umas 4 a 5 pessoas, Ismael Miranda, Rosaldo Calvalcanti, Gironso, Fernando Bittencourt e eventualmente para Moisés Levy e Rodolfo Lima (meu time eram estes quatro primeiros surfistas, depois três, pois o Fernando foi para o Daniel Friedmann). Com o Rosaldo Cavalcanti, que já era um cara antenado, novinho, a gente já havia ouvido falar dessa história das 3 quilhas, mas aí o Rosaldo chegou dizendo que o Valdir havia chegado no Brasil com uma prancha destas e falou para mim: ‘Eu quero uma, vamos pedir emprestada a dele para você copiar’. Eu liguei para o Valdir, passei lá e peguei.
Na ida para a oficina da Brazilian Dreams, eu shapeava lá, o Capacete (Ítalo Marcelo), também shapeava lá, eu não tinha oficina. Era uma oficina de laminação onde tinham diversos shapers. Na ida o Rosaldo fala assim: ‘Vamos dar uma surfadinha’; só para sentir a prancha. Eu achei a prancha uma merda, achei ela dura. Ela era reta, sem V Bottom, era uma daquelas needle nose, com rabeta larga. Um squash largão e o fundo era flat. Uma prancha dura, com a borda box, assim... (Bocão mostra a borda com a mão). Eu achei horrível. Falei para o Rosaldo e ele. ‘Não quero saber, quero que você me faça uma igualzinha’. Tá bom. Vou fazer uma igualzinha para você.
Eu saí da água. E uma das coisas que eu achava que deveria fazer, antes de entrar no carro para ir para a oficina, eu virei a prancha e coloquei ao lado da minha biquilha. Eu havia levado a minha prancha, surfei um pouquinho com as duas. Eu virei assim a minha prancha e virei a triquilha. As pranchas de fundo para cima, com as quilhas e botei elas lado a lado, me afastei um pouquinho e fiquei olhando. Eu só queria olhar, o fundo de uma, fundo da outra, as quilhas... As quilhas da minha e as quilhas da McCoy e numa dessas, quando eu virei as quilhas, EU VI – duas quilhinhas atrás.
EU VI. Já li sobre isso, a maioria dos inventores, da lâmpada, do dínamo, eles foram pensados, concebidos na cabeça dos caras, antes de fazer. O cara viu um dínamo funcionando, depois ele foi atrás fazer. Thomas Edison viu a lâmpada funcionando e depois foi procurar como fazer. Não todas as invenções, mas algumas o cara concebeu antes.
Eu já havia tido uma porrada de ideias e os caras brincavam comigo, que eu botava outline de rabeta no bico, eu estraguei várias pranchas antes disso. Eu tinha essa particularidade, ficava tentando inventar coisas diferentes. Eu insistia em surfar com pranchas horríveis. Algumas eu realmente estraguei. Eu não era de fazer o que todo mundo faz. Meu estilo de vida era totalmente diferente. Eu já praticava esse tipo de coisa. Uma constante busca por uma coisa nova. Fui ligando as coisas na mente e falei ‘Caraca, Rosaldo, tive uma ideia’. E ele, ‘Não vem não, eu quero minha prancha desse jeito’, mas eu cheguei na oficina e a primeira coisa que eu fiz foi fazer a minha 4 quilhas.
Coincidente eu tinha uma 5’8”, que seria uma biquilha que já estava laminada de um dos lados, com uma pintura daquelas geométricas da época, prontinha. Ela só não tinha as quilhas. Eu me lembro como se fosse hoje. Quando eu cheguei lá a prancha estava no cavalete, pronta para colocar as quilhas e já estava com as duas quilhas com aquele tape (fita crepe) para fixar na posição. Faltava dar o roving e laminar dos dois lados. Dar o hot coat embaixo e fixar as quilhas. De fato, era laminar as quilhas e dar o hot coat no fundo. Eu falei – para aí. Me dá uma quilha, peguei um papel e desenhei uma quilha grande de biquilha normal, cortei três dedos da base. Falei: ‘Faz duas quilhas dessa para mim, urgente’. Na época tinha aquelas bandejas de quilhas que o cara cortava várias. Quando ficaram prontas fui colocar com o laminador, onde eu achava que era para coloca-las.
 RÉPLICA DA CRIAÇÃO DE BOCÃO DO ACERVO DA ALMA SURF
ROMEU ANDREATTA ME CONVIDOU PARA FAZER A CURADORIA DE 50 RÉPLICAS DE PRANCHAS HISTÓRICAS DE DIFERENTES SHAPERS
A QUATRO DE BOCÃO FOI UMA DAS ESCOLHIDAS
FOI FEITA POR RICARDO MARTINS, NA OFICINA DA WET WORKS
COM AS MEDIDAS FORNECIDAS POR BOCÃO


FOTOS: DRAGÃO – FESTIVALMA 2009

Simples meu irmão. Se eu vi duas quilhas atrás, elas deveriam ser na mesma direção e no mesmo ângulo e também na mesma distância da borda, só que um pouco mais para trás. Exatamente paralelas. O que eu tive de decidir ali era o quão para trás eu deveria coloca-las. Fixei e mandei laminar. Aí começou.
Começou a zoação. Geral. De todo mundo. E não parou mais durante dois anos. Que eu me lembre não teve um, a não ser o Joca Secco, que foi o único que chegou para mim e falou: ‘Pô, essa prancha tá andando rápido, hein?’
Eu peguei essa prancha e estreei ela num dia de ondas boas atrás do Pontão no Arpoador e a característica dela ficou clara, logo de início, que era a velocidade. E o Arpoador era bom para isso. Eu nem manobrei tanto. A quatro quilhas tinha a mesma soltura da biquilha só que com mais drive. Mais pressão. Mas 99% das pessoas achavam que eu estava querendo aparecer. A força das pranchas de 3 quilhas era avassaladora. É óbvio que o impacto do meu negócio iria ficar amortecido.
Isso foi em junho, eu resolvi que eu ia colocar um anúncio na Surfer e na Sunfing, em preto e branco. Era US$ 1.500 cada um, cheguei até a escrever uma carta para perguntar sobre preços. Eles me responderam. Seria um anúncio assim: 4 QUILHAS – RICARO BOCÃO, só para registrar.  Aí já era agosto para setembro de 1981, quando recebi a resposta deles. E aí eu pensei: ‘Quer saber, vou gastar 3 mil dólares, para colocar dois anúncios...’ Com estes 3 mil dólares eu vou para o Hawaii, vou entrar no Pro Class Trials, tentar entrar no campeonato de Sunset e no Pipeline Masters, vou levar só um quiver de 4 quilhas e empurrar este modelo goela abaixo dos caras. Os caras vão ter que ver. E foi o que eu fiz. Juntei o meu dinheiro que eu usaria no anúncio, fui para o Hawaii, com um quiver de 4 quilhas: 5’8”, 6’8” e duas 7’4”. Eu tinha duas dessas maiores. Até o Picuruta utilizou uma com seda da Gledson emprestada. Eu ainda tinha uma 7’10” do BK – Barry Kanaiaupuni e uma 9’4” (ambas monoquilhas) e este era o meu quiver.
Dali eu fiquei dois anos usando 4 quilhas em tudo. Fui para a África do Sul duas vezes. Os dois primeiros OP Pros da Califórnia em 1982 e 1983 eu surfei de 4 quilhas. No Festival Olympikus eu fiquei em nono duas vezes. Perdi nas duas vezes apenas para o campeão. Para o Luís Neguinho no primeiro e para o Picuruta no segundo, mas passei as triagens, disputei o primeiro homem x homem, que era os Back 14 e também a segunda rodada (Top 16) e fiquei em nono. Usando só 4 quilhas.
A única coisa que mudou é que no meio desse caminho eu fiz algumas pranchas com aquele ‘bico de pato’. Aí todo mundo achou que não deu muito certo, mas foram estes bicos. Os bicos de pato foram apenas um pedaço dessa história. Isso durou só quatro meses. Mas, em um período de dois anos, cheguei a fazer umas 45 a 50 pranchas de 4 quilhas. E mesmo em ondas de bom tamanho no Hawaii eu surfei com a 4 quilhas.”

TESTANDO SEUS DESIGNS NO NORTH SHORE EM 1983
FOTO: PAUL “GORDINHO” COHEN

ABERTURA DAS MATÉRIAS SOBRE SEU DESIGN NAS REVISTAS BRASILEIRAS
VISUAL ESPORTIVO NÚMERO 14, DE 1984

FLUIR NÚMERO 3, TAMBÉM DE 1984

 VENICE MAGAZINE DE JUNHO DE 2008
MATÉRIA DE KIKO CARVALHO
(repare nas “bicos de pato”)
FUI CONVIDADO PARA ESCREVER UM BOX AO FINAL
FORAM 8 PÁGINAS USANDO A MATÉRIA DA VISUAL COMO PANO DE FUNDO




CAPA DA VENICE NA QUAL SAIU ESTA MATÉRIA


RECORTE DE UMA PÁGINA DUPLA DA FLUIR NÚMERO 3
ISMAEL MIRANDA, TEAM RIDER DO BOCÃO, É O SURFISTA GOOFY

REPRODUÇÃO DA VISUAL ESPORTIVO

 REPRODUÇÃO DA FLUIR NÚMERO 4
TEXTO ASSINADO PELO SHAPER ALEXANDRE MORSE
PAULO ISSA LAMINANDO UMA 4 QUILHAS NA SQUALO

FERNANDO MURRINHA, PIONEIRO DO SURF NORDESTINO
ESTA 4 QUILHAS ELE FEZ COM BASE NA MATÉRIA DA VISUAL ESPORTIVO
INÍCIO DOS ANOS 80
FOTO: CLÁUDIO MARANHÃO
  
Esta segunda postagem, tendo Ricardo Bocão como protagonista neste blog, com certeza não será a última. Ainda guardo um trecho da entrevista que fiz com ele, explicando o pioneirismo em termos de patrocínio, que merece um destaque especial. Saibam, que neste quesito, os brasileiros também fizeram ANTES que australianos e norte-americanos. Minha pesquisa continua e trarei depoimentos de Cauli e outros de nossos primeiros pros.

Na verdade, este blog não vai parar de trazer as histórias que causaram impacto na evolução do surf brasileiro. Esta atitude pioneira de Bocão estará no seu capítulo como ícone de nosso surf e também deve ser abordada quando falamos do desenvolvimento de pranchas por brasileiros. O design de pranchas nacionais que pode começar com as madeirites de Irencyr Beltrão, passando pelas mini models de Penho (que inclusive as introduziu no Peru – leiam a matéria na Fluir – N. #360 – OUT 2015), culminado com os designers atuais, as máquinas de shape de Luciano Leão, espalhadas pelo planeta. O modelo de máquina desenvolvido por Avelino Bastos, que puxa duas pranchas de forma concomitante e traz outros avanços que facilitam a vida dos shapers, aos foguetes que Marcio Zouvi, Johnny Cabianca e Xanadu fazem para Filipinho, Medina e Caio Ibelli destroçarem as ondas do Tour...

Todos estes assuntos serão abordados no livro “A GRANDE HISTÓRIA DO SURF BRASILEIRO”, que tem seu lançamento programado para 2016.

VEJAM DETALHES NO SITE: WWW.HSURFBR.COM.BR

Para conhecer um pouco mais sobre a história de Ricardo Bocão:




quarta-feira, 4 de novembro de 2015

MARESIAS, HALEIWA, SUNSET BEACH

& a cereja no topo do bolo, PIPELINE

A reta final do circuito mundial de surf em 2015 promete ser uma das mais emocionantes para a torcida brasileira. A praia de Maresias, um dos melhores beach breaks do mundo, hospedou a última etapa de 10.000 pontos do WQS antes do Hawaii.

RECORTE DE IMAGEM DO WEBCAST DO OI HD SÃO PAULO OPEN
GABRIEL MEDINA COMPETINDO EM SUA PRAIA LOCAL
TROCANDO SEU 5,67 POR UM 8,77

Trinta mil pontos ainda estão em jogo no ranking qualificatório, o que permite que qualquer um dos 96 surfistas com passe para estes eventos “ex-primes” possa se classificar para o WCT de 2016, com uma arrancada fulminante a partir de Maresias, etapa que está sendo transmita ao vivo pela ESPN + (além do tradicional webcast da internet), e depois em Haleiwa e Sunset. 
Alejo Muniz, Caio Ibelli e Alex Ribeiro já fincaram pé no WCT 2016.


COM A VITÓRIA DE MIGUEL PUPO EM MARESIAS
ELE QUE ERA O ÚNICO DOS 7 BRASILEIROS FORA DOS TOP 22 DO WCT
GARANTIU SUA PERMANÊNCIA NA ELITE
RECORTE DE IMAGEM DO SITE RICOSURF

Para nós, brasileiros, será emocionante acompanhar o desfecho desta temporada, pois além de Gabriel Medina (campeão mundial de 2014), temos Adriano de Souza e Filipe Toledo bem posicionados para desafiar os três australianos que também tem chance de ficar com o primeiro caneco da Era - LIGA MUNDIAL DE SURF (WSL).

O foco na praia de Maresias me faz refletir sobre o melhor dos 2 MUNDOS do surf. O competitivo e o exploratório, em busca de ondas remotas e perfeitas. Maresias já foi (é) uma onda mítica, de difícil acesso, até a metade dos Anos 80, quando a turma de Santos e do Guarujá se jogava em verdadeiras epopeias por atoleiros, areiões, pontes precárias de madeira, balsas e aventuras... para, em muitas vezes, surfar sozinhos no Canto do Moreira.
Domingo passado a turma de Maresias fez uma bela e justa homenagem à Sidão Tenucci, o mais emblemático local daquele canto de praia, que faleceu há um mês, aos 61 anos de idade.

ROBERTO TEIXEIRA CANTA “LUGAR COMUM” DE GILBERTO GIL DENTRO DA RODA DE AMIGOS QUE SE FORMOU EM FRENTE À CASA DO SIDÃO
FOTO: FERNANDO COSTA NETTO

LETRA DISTRIBUÍDA NA PRAIA PARA TODOS CANTAREM JUNTOS
 NO MAR FORMOU-SE O TRADICIONAL CÍRCULO BEM NO LOCAL EM QUE SIDÃO E MUITOS OUTROS SURFISTAS PAULISTAS, PEGARAM AS MELHORES ONDAS DE SUAS VIDAS. FOTO: CÉLIA ALMUDENA  

Sidney Luiz Tenucci Júnior, posso considerar um dos mais importantes surfistas (de alma) e empresários brasileiros (dedicados e apaixonados), que ajudaram a pavimentar este caminho para que hoje o Brasil tenha este primeiro título mundial de surf profissional masculino com Gabriel Medina, coincidentemente um nativo e local de Maresias.
Sidão poderia ter escolhido qualquer lugar do Brasil para montar a sua casa de frente para o mar, mas as aventuras da adolescência e a constatação de quão especial é este lugar, deram um rumo certo ao seu refúgio para ganhar “ar & mar” em busca de novas realizações.
Para quem desejar conhecer um pouco mais do seu legado, cliquem no link abaixo para ler um perfil dele que escrevi no início do ano e foi publicado na edição de aniversário da revista Hardcore:




Voltando a briga pelo título da temporada 2015 da Liga Mundial do Surf, tenham certeza de que este blog estará sempre passeando entre o passado e o presente, destacando o que é relevante nesta “Grande História do Surf Brasileiro”, título do livro ao qual estou dedicado de corpo e alma, com previsão de lançamento para maio de 2019.

CONHEÇAM DETALHES DO PROJETO NO SITE:

ABAIXO ALGUMAS FOTOS QUE FIZ COM MEU CELULAR
NOS CHUVOSOS DIAS DO OI HD SÃO PAULO OPEN DE MARESIAS
NO PALANQUE HOMENAGEM AO SIDÃO
MIGUEL PUPO SE AQUECENDO ANTES DE MAIS UM SHOW
DANY BOI SEMPRE ATENTO PARA TUDO DAR CERTO NA PRODUÇÃO
PIU PEREIRA, DIRETOR DE PROVA, TECO PADARATZ UM DOS COMENTARISTAS DO EVENTO E O "ACE PHOTOGRAPHER" ALBERTO SODRÉ, PREPARANDO UM CHURRASCO NO DAY OFF
FOTO: DRAGÃO
LOJINHAS MONTADAS NA PRAIA
OS IRMÃOS LECO E MATHEUS SALAZAR, FILHOS DE PICURUTA,
PRESTIGIANDO O EVENTO NO ESPAÇO DA HD
CAIO IBELLI ASSUMIU A LIDERANÇA DO WQS
AO LADO DO AUSTRALIANO JACK FREESTONE
RECORTE DE FOTO DO SITE SURFLINE
FOTO: DANIEL SMORIGO

AGORA VAMOS À TRÍPLICE COROA HAVAIANA