sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

CAPÍTULO 7

        

INTRODUÇÃO À POSTAGEM DO CAPÍTULO 7

Uma primeira observação que eu gostaria de reforçar aqui é que este será o “último” dos capítulos apresentados neste blog de forma similar ao que sairá no livro.
O livro como um todo terá mais de cinquenta capítulos.
A ideia foi apresentar um esboço dos quatro tipos de capítulos.

Capítulos 1; 3; 5; 7; 9; 11... Todos os capítulos ímpares do livro serão de MEMÓRIAS do surf brasileiro. Eles tem o objetivo de contar de forma cronológica essa história. Com certeza, a partir do momento que mergulharmos nos anos 70 e depois nos tumultuados e abrangentes 80, o foco se abrirá de certa forma que a noção linear de narrativa terá de ser abandonada para o entendimento de fenômenos que transcenderam décadas. Porém, a clareza de nossa evolução permanecerá explicita.
O livro será construído de forma a permitir a leitura contínua, ou que se desfrute de cada capítulo de forma singular, alternadamente.

O Capítulo 2 – PICOS DE SURF – trouxe uma perspectiva da região costeira da cidade do Rio de Janeiro, este tipo de capítulo que ainda trará regiões como Imbituba e Garopaba, Litoral Norte de São Paulo, Saquarema e diversas regiões do Nordeste, culminando com Fernando de Noronha, é grande, ilustrado com mapa e traz depoimentos de surfistas locais.

No Capítulo 4 – ÍCONE – foi apresentado um perfil de Rico de Souza. Surfistas selecionados terão capítulos de 8 páginas dedicados à sua trajetória, importância e legado ao surf nacional.

Capítulo 6 – CAMPEONATOS – (veja a postagem abaixo de novembro 2013). As competições de surf estarão divididas em fases de amadurecimento, além de menções em todos os tipos de capítulos, como no texto apresentado a seguir.


Antes de entrar propriamente no texto deste sétimo capítulo, eu gostaria de deixar mais algumas observações:

  • O surf no Estado de São Paulo se desenvolveu em lampejos e com artefatos diferentes;
  • É como um quebra-cabeça que está sendo montado e algumas peças ainda não foram encontradas;
  • As entrevistas que colhi até o momento não chegam nem a 10% do que planejei para que o conteúdo do livro atinja a qualidade almejada;
  • Mesmo nos capítulos já colocados (do Rio de Janeiro), há uma infinidade de informações a serem cruzadas, enriquecidas...


Isso posto, vamos ao texto baseado nas informações coletadas até o momento. Como poderão perceber estes textos não estão completos e não serão os definitivos, mas eu quis honrar o prazo proposto de entrega de um capítulo por mês durante todo o segundo semestre de 2013.
Este blog não vai parar de lançar novidades referentes ao livro, ficará até mais dinâmico, com uma série de curiosidades na medida em que a pesquisa se aprofundar, mas não mais em forma de CAPÍTULOS.
Para o desfecho... Teremos de aguardar o resultado final da obra impressa!

Confesso que inclusive eu estou curioso para ver como isso vai ficar. Minha mente está aberta e a disposição é infinita para fazer o melhor trabalho.

CAPÍTULO 7

Vinheta “MEMÓRIAS” (by Tom Veiga)
      
SÃO PAULO
ANOS 60
Recomeço

O Segundo Grande Polo do Surf Nacional

Influenciados pelas pranchas de madeirite do Rio os paulistas encontram o seu caminho.

O surf em São Paulo se desenvolveu com suas peculiaridades. De forma diferente do Rio de Janeiro, que teve um foco central no Arpoador, na vasta costa do Estado de São Paulo, com ondas propícias para os iniciantes, o surf se desenvolveu em três regiões principais. Ubatuba ao norte, Guarujá (Ilha de Santo Amaro) e o berço original: Santos e São Vicente. Como vimos no primeiro capítulo do livro a Cidade de Santos, a maior do litoral paulista, foi o cenário dos primeiros registros do surf em território brasileiro. Após um breve hiato o surf se re-estabeleceria ali de forma definitiva.
Conheça os novos pioneiros paulistas.

Depois que Osmar Gonçalves foi morar no interior, Thomas e Juá Hafers foram para os EUA, Margot Rittscher ainda continuou deslizando sobre as ondas. No meio dos anos 40, teria a arte do surf (de pé) sido abandonada nas praias paulistas?
Talvez haja um elo perdido nesta história, mas até que ele seja encontrado, vamos trabalhar com o que temos de concreto.
Conversando com o professor Francisco Alfredo Alegre Araña (Cisco), que há duas décadas comanda a Escola Radical, localizada no Posto 2 em Santos, shaper, atleta de chegada desde os eventos da década de 70 e um verdadeiro mestre e estudioso do surf, ele me passou nomes de uma série de pessoas que podem ter informações chave nesse desenvolvimento do surf no Estado de São Paulo. Muitas ainda serão procuradas...
Cisco começou a surfar em 1968 com um pranchão francês Barland/Rott 9’8”, que comprou da família Hirano. Ele conta: “Antes disso cheguei a surfar com modelos de prancha caixa de fósforo e também madeirite, antes de ganhar a minha de fibra. Ainda na década de 60 tive uma segunda prancha de isopor, embalada com celofane.”
Cisco tem guardada em sua casa uma prancha de madeirite original de 1964 fabricada por Geraldo Faggiano, pai do Cocó. Suas maiores influências foram Homero Naldinho e Horácio Cocada. Mais tarde o Flávio La Barre.
Através de indicação de Cisco cheguei a Manoel dos Santos, que completará 75 anos em fevereiro de 2014, hoje ele dirige duas escolas de natação e academias em São Paulo.


ENTREVISTA MANOEL DOS SANTOS JUNIOR
(Dezembro 2013 – Morumbi São Paulo)

Nascido em 22 de fevereiro de 1939 em Guararapes no interior de São Paulo.
Em 1957 mudou-se para Santos e treinando no Clube Internacional de Regatas com os técnicos Adalberto Mariane e depois com o japonês Minoru Hirano, fez parte da seleção brasileira de natação para os Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, conquistando a medalha de Bronze nos 100 metros – nado livre. Em 1961 bateu o recorde mundial nesta prova, mantendo-o por três anos.
No início dos anos 60 mudou-se para São Paulo, finalizando a sua carreira no Esporte Clube Pinheiros.




UM DOS REPONSÁVEIS PELO RENASCIMENTO DO SURF EM SÃO PAULO
Vamos ver o que MANOEL tem para nos contar:
“Morei em Santos de 1957 até 1960, fui para lá para treinar. Depois do término de minha carreira na natação, minha noiva era de Santos, eu descia todos os finais de semana e ia surfar em Itararé (São Vicente). Eu surfava junto com Roberto Hirano, que era o filho do meu técnico e tinha mais ou menos a mesma idade que eu. Na época em que eu treinava natação cheguei a morar na mesma casa que ele.
Juntos fabricamos umas pranchas de isopor, com reforço (longarina) de madeira. Isolávamos a prancha com fitas, várias voltas, para poder aplicar a lã de vidro com a resina. Nós fazíamos toda a forma da prancha, às vezes exagerávamos na curva, ficavam tortas demais. As longarinas (às vezes duas separadas) que davam a envergadura, era um serviço de marcenaria.
A ideia veio de nossa cabeça, depois de vermos filmes de Hollywood, nos quais apareciam surfistas. Foi no verão de 1958 para 1959 que decidimos fazer as primeiras pranchas. Elas mediam de 2,30 a 2,40 metros. Eram iguais às que havíamos visto nos filmes, apenas diminuímos o tamanho para aumentar a resistência, pois quanto maiores, elas quebravam mais fácil. Essas pranchas eram muito pesadas. Quando colocávamos muita lã de vidro e resina elas ficavam pesadas demais, e se diminuíamos elas perdiam a consistência e se partiam. Não havia uma espuma certa para isso, usávamos o isopor e este não tinha resistência nenhuma. Primeiro fizemos pranchas com uma longarina, depois duas e ficaram um pouco mais resistentes. As pranchas não duravam nem dois meses, mesmo se surfássemos apenas nos finais de semana. Quando percebíamos que elas iam quebrar... Já estávamos fazendo um modelo diferente, mais reforçado. O Hiraninho deve ter feito umas 15 a 20 pranchas nesse período. Passávamos vela para não escorregar.
Nosso foco principal era treinar a natação, mas nos dias que apareciam ondas boas, não era sempre, eu e o Hiraninho íamos para a praia. Não tinha mais ninguém, éramos só nós dois, no início. Nos finais de semana chegava a amontoar gente na beira da praia para nos ver surfar. Surfávamos mais no inverno, por ter menos gente. Quando perdíamos a prancha era perigoso acertar alguém na beira.
Depois eu fui para o Havaí em 1961, fui para nadar, tirei muitas fotos do pessoal surfando em Waikiki, das pranchas e trouxe isso para usarmos de base. Em 1961 as pranchas do Havaí já eram de fibra de vidro.
Preferíamos a praia de Itararé porque as ondas eram mais longas. O Hiraninho era menor do que eu e com isso era mais prático, fazia mais manobras, até o spinning (giro do corpo sobre a prancha), mas basicamente íamos nas ondas e subíamos e descíamos um pouco na parede, não fazíamos cutbacks, íamos seguindo na onda.
A partir de 1962 para 1963 deixei de ir para Santos e a turma de surfistas não chegava a dez pessoas. O Hirano continuou surfando, chegou a mandar vir pranchas do Havaí, já começaram a aparecer vários outros surfistas. Lembro que uma vez fui para o Guarujá, em 1963 para 1964 e já tinha uns trinta surfistas, lá na praia das Astúrias.”

Manoel informou que não tem nenhuma foto ligada ao surf em seu acervo, mas ainda carece de uma pesquisa em arquivos da Tribuna e pessoais.

A TURMA CRESCE COM AS MADEIRITES
Hiraninho, ou Jô Hirano, como ficou conhecido pela maioria da turma de surfistas de Santos e São Vicente, já faleceu, mas seu nome é citado por diversos pioneiros de Santos que surfam até hoje. Podemos colocar o ano de 1963 como instrumental para que o surf desabrochasse com força no Estado de São Paulo. Dos primeiros praticantes na praia de Itararé, em São Vicente, o surf foi se alastrando por Santos, depois Guarujá, chegou a Ubatuba e foi até o litoral sul. As ondas de São Paulo, como todos sabem, são muito diversificadas e excelentes para a prática do surf, desde o nível para experts, como a praia da Paúba em São Sebastião, às tranquilas ondas do Canal 3 em Santos.
A praia de Itararé com suas ondas que aparecem lá fora, quebram, formam e reformam diversas vezes, propiciando longos passeios buscando paredes abertas em seu percurso formavam o cenário perfeito para extrair o máximo daquelas pranchas de madeirite.
A evolução foi muito rápida, tudo acontecia em meses e as novidades surgiam trazidas cada vez por um adepto diferente. A maioria destes primeiros surfistas era composta pela turma dos nadadores: Jô Hirano, Di Renzo, os irmãos Paioli - José e Francisco... Cocó – Eduardo Faggiano, e seu irmão Geraldo Faggiano Junior, amparados pelo pai, Geraldo fabricaram pranchas primitivas, pesquisaram e ajudaram muito na evolução do surf paulista.
Praticamente todos estes garotos que começavam a surfar com 11, 12, 13 anos acabavam fazendo as suas próprias pranchas. Vou me valer de alguns relatos que tenho gravados para desenhar (esboçar) esta história.
Zé Paioli, o mais velho dos irmãos, nascido em 1949 conta:
“Comecei a me interessar pelo surf pois eu era nadador, foi vendo uma reportagem da revista O Cruzeiro, com o pessoal do Rio de Janeiro, que já havia começado. Eu ia para a praia em São Vicente, mas não havia visto ninguém surfando. Depois disso vi dois irmãos, que eram da família Montenegro. Eles estavam com uma prancha de madeirite, na praia de Itararé, então fui lá e perguntei como eles haviam feito a prancha. Eles me disseram para pegar uma tábua de madeirit de construção e levar numa marcenaria, desenhar o outline, fazer um rasgo para colar uma quilha com o formato da de um tubarão e colar com Araldite.
Isso foi em 1964, eu era amigo do irmão do Cocó, o Geraldo Junior, fomos à noite numa obra que tinha na Av. Presidente Wilson (havia uma pilha de madeirites lá) e pegamos duas tábuas. Levamos em uma marcenaria lá perto no dia seguinte e cortamos. Nem lembro de ter reparado na prancha dos Montenegro se ela tinha envergadura, só atentei ao detalhe da quilha. Demos uma arredondada na borda e pintei a prancha. Naquela época o material das tábuas de madeirite era muito superior aos de hoje, ele não desfolhava, era mais grosso. A qualidade era muito melhor.
CHICO PAIOLI EM 1967 - MATÉRIA DE CISCO ARAÑA PARA A REVISTA HARDCORE
Quando ela ficou pronta pedi para meu pai me levar na praia, era um dia chuvoso, eu não sabia de parafina, de vela, não sabia de nada. Eu era um bom nadador, fui para a água e fiquei nadando com a prancha até um certo ponto. Fiquei uma a duas horas na água e consegui ficar em pé em uma onda. Caramba! Maravilhoso. Eu tinha 15 anos. O Chico tinha 13, ele nem surfou nesse dia. Não tinha mais ninguém na praia. Depois de um tempo descobrimos como envergar a prancha esquentando o madeirite. Logo em seguida o Chico começou a ir comigo. Nós entrávamos na onda estourada e como a onda de Itararé abre uma parede mais para o raso, começamos a cortar as ondas. Aos poucos foram aparecendo mais surfistas e foi tudo muito rápido, depois soubemos que amigos nadadores como o Sergio Heleno e Paulo Miorim haviam trazido as primeiras madeirites. Nós estávamos ainda com madeirite, quando Di Renzo e outros nadadores amigos nossos apareceram com umas prancha caixa de fósforo, que haviam feito no Estaleiro Stepanich. Foram as primeiras pranchas ocas que vimos.”

CAIXA DE FÓSFOROS



Recentemente o shaper Eduardo Argento (1951~2013), que infelizmente faleceu neste ano, produziu uma réplica destas pranchas dentro do Museu Brasileiro do Surf, em Santos (atualmente em fase de remodelação). Estive conversando com seu irmão gêmeo TWIN, Carlos Argento Junior, nascido em 15 de março de 1951. Carlinhos também tem uma bela experiência deste início:
Estávamos aqui no Itararé, onde morávamos e um dia meu irmão falou, vamos até ali perto da Ilha Porchat ver um pessoal surfando... E eu nem sabia o que era isso. Era uma turma pequena, os irmãos Paioli, Di Renzo, Jô Hirano – os nadadores... Menos de dez surfistas.”
DUDU ARGENTO TRABALHOU EM UM SHAPE ROOM MONTADO EM CIMA DO QUEBRA-MAR DE SANTOS.
FOTO EXTRAÍDA DE MATÉRIA PUBLICADA NO SITE WAVES:

Os irmãos Argento se lançaram na produção de pranchas. Primeiro de madeirite, depois as caixas de fósforo, Carlinhos destaca que a maior vantagem delas é que boiavam. Outra tentativa foi trabalhar com pranchas de isopor revestidas com tecido morim. Depois começaram com as Pranchas Eduardo Argento e Carlos Argento Junior. A nova marca foi a NÃO Surfboards, visando afastar o crescente número de pidões que queriam emprestar suas pranchas. Culminando com as Twin, já próximo aos anos 70.
A marca Twin se tornou lendária e pioneira. Fizeram a primeira surf shop em Santos, depois inauguraram o polo de Moema com uma loja na rua Imarés. Quando começaram a buscar material para fabricação de pranchas no Rio, aproveitaram para trazer algumas camisetas (tipo Hang Ten). Na garagem do prédio deles funcionava a fábrica de pranchas e uma “lojinha”, mas isto será assunto para capítulos futuros.

Ao entrevistar Carlos na TWIN, estava de passagem por lá um outro surfista dessa geração de precursores de São Vicente:

CARLINHOS E JACKSON A FRENTE DE UMA GLASPAC ORIGINAL

JACKSON CARDIM STAMATO BERGAMO nascido em 19/9/1950 tem a sua história:
“Comecei vendo o Cocó surfar em 1963. Esse pessoal que começou a surfar com madeirites, os nadadores Di Renzo, irmãos Paioli, Hirano, o Carioca (Nelson Feitosa - que já faleceu)... Eles sabiam manobrar com as pranchas de madeirite.
Chegou um ponto que até pensávamos assim: ‘Não precisamos de pranchas que flutuam, pois conseguimos fazer tudo aqui’. Aqui em São Paulo, os que usavam pé de pato era apenas no pé de trás, pois o da frente atrapalhava muito, não dava. Eu particularmente nunca usei. Um olhava o que outro estava fazendo – ‘Ah que legal você fez isso, deu certo?’
QUILHA – pedi para um cara que tinha ferramentas, escavar com uma tupia fazendo um buraco na prancha e encaixava aparafusando do deck para a quilha. Não tinha umas cantoneiras que alguns tentaram usar. Uma outra curiosidade foi que já na primeira prancha utilizei uma tocha para esquentar perto do bico e envergar. As madeirites quebravam, cheguei a fazer longarinas de peroba para colocar em baixo delas.”

Jackson Bergamo se considera o primeiro skatista do Brasil, descendo sozinho as ladeiras da capital paulista, sem ter visto ninguém antes, desmontando patins, laminando o shape – isso em 1967, com base no que havia visto nas revistas americanas. Jackson acrescenta que, “as REVISTAS eram a maior e única referência, se não fosse por elas não teríamos base nenhuma.”
Jackson também foi mencionado no capítulo seis. Foi ele que seguiu para o Rio, Guarujá e Santos num Fusca com Paulo Issa para afixar os pôsteres do primeiro Festival Nacional de Ubatuba em 1972.

Os adolescentes que queriam se aventurar no surf tinham que se virar para começar no esporte.

MAIS PIONEIROS

Outra galera que tem se organizado para lembrar os bons tempos do surf é o Clube dos Pioneiros de Santos, uma turma grande. Tive o prazer de encontrar com três deles para captar histórias destes tempos, no apartamento de Walter Theodosio Junior encontrei Sant’Anna e Edinho, aqui vai um aperitivo de seus relatos.

JOSÉ LUIZ SANT’ANNA - 10/1/51
“Comecei a surfar com 12 anos em 1963. A primeira vez que vi alguma referência ao surf foi numa revista Seleções da Readers Digest, a matéria chamava: ‘Cavaleiros das Ondas do Mar’. Pelo que pude ver nas fotos da revista as pranchas pareciam ser de madeira. Eu fui na Serraria Brasil comprar uma placa de cedro para fazer uma prancha maciça que flutuasse.
O segundo passo foi uma madeirite, ao arrancar uma placa da cerca da obra do Hotel Brickman, que estava em construção junto com meu amigo João derrubamos metade do tapume. Saímos andando com as futuras novas pranchas quando aparece na rua uma viatura da Polícia Marítima. Era plena era da ditadura e achamos que estaríamos ferrados, mas os guardas passaram reto.”
Sant’Anna lembra de ter visto Jô Hirano com uma prancha que flutuava. “Ele foi muito importante na evolução. Até 65 usei pranchas de madeirite. Mais tarde cheguei a fabricar pranchas de fibra durante muitos anos. Foi vendo aqueles filmes da série Beach Party que percebi que as pranchas tinham volume. O Jô era mais velho, professor de judô, falava muito pouco e não dava dica nenhuma para nós. Era um cara inacessível. Entrava para surfar com um chapelão estilo mexicano. O fato é que a prancha do Jô flutuava e as nossas madeirites afundavam. Ele sentava lá fora e nós ficávamos mais na beira.
Foi nessa época que encontrei uma matéria na revista Mecânica Popular, com uma série de materiais que eu nunca havia ouvido falar. Improvisamos usando isopor, Eucatex e minha mãe fez uma capa de lonita para isolar, arredondamos a borda só em baixo, pois em cima era reto por causa do Eucatex. Ao invés de resina usamos tinta a óleo e fincamos a quilha numa longarina de pinho. Aí sentamos ao lado do Jô. Ele não acreditou. Isso foi no Canal 1.”


WALTER THEODOSIO JUNIOR - 9/1/1953
“Morei no interior até os treze anos. Vim morar em Santos em dezembro de 1966 e vi o pessoal com pranchas de madeirite. A primeira prancha que fiz era reta, só descobri que ela precisava ter uma curva depois das primeiras embicadas. A quilha, no princípio, coloquei um reforço de madeira apenas de um lado, depois de arrancá-la algumas vezes cheguei à conclusão que tinha que colocar dois. Também já pintei esta prancha de azul. Depois comprei por Cr$ 5,00 uma prancha de madeirite branca, com a borda colorida que tinha o desenho da Pantera Cor de Rosa com uma piteira. Até 1967 fiquei com pranchas de madeirite, até que no meio do ano um colega meu da escola comentou: ‘Vamos fazer uma prancha à lá Tom Blake?’ Era uma caixa de fósforo. Nessa época estas pranchas eram feitas em dois lugares, ou na Carpintaria Guarany, ou com o Nelson da Morsa. Em maio de 68 fui encomendar uma prancha com o Coronel Parreiras, ela ficou pronta em agosto, dois meses eram apenas para curar a prancha.”
WALTER E SUA SÃO CONRADO

Edinho – EDSON TADEU MARQUES DE ALMEIDA - 21/9/1953
“Eu morava no Marapé e com 11 anos de idade, em 1964 comecei a me interessar pelo movimento das madeirites, que eram tiradas de obras. Com meu vizinho Toninho fizemos duas pranchas, com uma única tábua de madeira. Estudei como eram envergadas. Para envergar usava um pano velho com álcool e colocava fogo em cima da madeirite. Isso danificava a madeira e algumas vezes quando tomávamos um tombo mais violento quebrávamos a prancha. Estudei no mesmo colégio do Cocó, que era dois anos mais velho. Foi com o pai dele, seu Geraldo, que aperfeiçoamos a técnica para envergar as pranchas. No campeonato da Ilha Porchat (1968) fui o único surfista que ainda competiu usando uma prancha do modelo caixa de fósforo. Depois criei uma marca de pranchas: Orca, até hoje ainda brinco com ela.”

SANT'ANNA, EDINHO AO CENTRO E WALTER

Eduardo Faggiano, o Cocó, tem sua entrevista agendada para o início do próximo ano, ao lado de seu irmão Geraldo Junior (2 anos mais velho) e do pai o Sr. Geraldo Faggiano, formaram uma das mais importantes famílias pioneiras do surf paulista.
Em 1962 ele viu o surf pela primeira vez em uma reportagem da revista O Cruzeiro. Com 12 anos, sem outras referências a família produziu uma primeira madeirite. Cocó também cita Paulo Mansur, pai do ex-Prefeito Beto (96 a 2004), como a pessoa que trouxe a primeira madeirite do Rio para São Vicente. Seu Geraldo sempre incentivou e ajudou os filhos, produzindo pranchas, organizando (ao lado do pai de Zé e Chico Paioli) o primeiro campeonato de São Vicente em abril de 1968. Cocó foi o shaper original da Squalo ao lado de Paulo Issa, antes disso produziu madeirites, caixas de fósforo e pranchas de fibra, agindo por tentativa e erro – acertos. Os Faggiano introduziram inovações no Brasil, tiravam informações de uma revista Mecânica Popular em espanhol, tem recortes com manchetes tipo: ‘Grande roubo de tapumes na Cidade de Santos’. Hoje está morando em Paraty no sul do Estado do Rio de Janeiro.

GUARUJÁ
Para aquela turma de Santos a maior aventura era atravessar a balsa para uma ilha na qual as ondas estavam sempre maiores, com praias de areias brancas e ondas mais desafiadoras. O Guarujá, “A Pérola do Atlântico” (já derem este slogan para Fernando de Noronha também), é um dos lugares mais consistentes de surf no Brasil. É raro ter um dia do ano sem alguma onda surfável nas praias de Pitangueiras, Astúrias, ou Tombo.
Foram os surfistas da Ilha de São Vicente que colonizaram as ondas da Ilha de Santo Amaro, desde os tempos de Osmar Gonçalves. Duas novas tribos se juntaram para desenvolver o surf no Guarujá, os nativos da ilha e os veranistas que vinham da capital paulista para desfrutar.
Carlos Motta, designer que sempre morou na capital paulista, deu brilhante entrevista para a série 70 E Tal, produzida pelo Grupo Sal, para o Canal Off, da Globosat; comentou que antes de ter a sua prancha, em meados dos anos 60, encontrou uma linda Hansen no Edifício Albamar – “Gaiola de Ouro”, nas Pitangueiras. Quando o dono da prancha não estava ia na garagem, pegava a prancha para surfar e a devolvia com todo o carinho, como se fosse sua. Carlinhos Motta foi um dos primeiros desbravadores do litoral norte, cruzando a balsa para o norte, rumo a Bertioga e ao paraíso “As Praias”...
Tenho trocado e-mails com Roberto Stickel, nascido em 14 de dezembro de 1954, outro paulistano que aderiu ao surf bem jovem: “A primeira prancha que vi na vida foi no verão de 63/64. Uma prancha de madeira tipo caixão com a forma de um caixão de defunto achatado, sem quilha. Foi também a prancha que eu comecei a surfar. Pedi emprestado e surfei  poucas vezes nesta prancha caseira absurdamente mal feita. O dono era um santista. Logo em seguida apareceu a Glaspac  MK I  do Luís Mello do Tendas, a primeira prancha de fibra no Guarujá e acredito ter sido também a primeira vendida pela Glaspac. A segunda foi a minha (não tenho certeza), o protótipo e se não me engano, foi comprada na Páscoa de 1965. Eu já estava surfando com a do Luís porque ajudava o pai dele, Paulo, a levar a prancha de volta para o fundo, ele era muito pequeno. Eles me emprestavam a prancha quando o Luís cansava."
PRAIA DAS ASTÚRIAS FINAL DOS ANOS 60.
FOTO DO ACERVO DE CLAUDIO CELSO PIERONI, QUE ESTÁ DE BERMUDA QUADRICULADA. 
LUÍS MELO É O SURFISTA SENTADO NA AREIA DE BERMUDA ROSA E AZUL. 
PARA SABER MAIS SOBRE ESTA FOTO VEJA A SEÇÃO "DAS ANTIGAS" NO 
THE SURFER'S JOURNAL BRASIL - VOL. 02.3
Stickel continua, "Minha vida náutica começou muito cedo, pegando jacaré pendurado no pescoço do meu pai quando ainda não sabia nadar. Eu adorava e posso dizer que sempre estive interessado em tudo relacionado aos esportes náuticos e por isto me lembro muito bem de tudo. Nós estávamos sempre em Santos, São Vicente, todo o Guarujá e algumas vezes no litoral Norte e nunca vi, em nenhum lugar, outros surfistas até o final de 64. Era tudo o que eu queria ver, procurava bastante, mas nunca vi.

Algum tempo depois, os irmãos Argento foram surfar nas Astúrias com uma prancha feita por eles com uma quilha já curvada. A prancha era bem tosca, mas a quilha curvada me deixou histérico. Eles já surfavam bem e pela primeira vez vi que o surf era feito quando a onda ainda não tinha estourado. Fiquei besta de ver e aí que me tornei completamente fanático. Antes de presenciar isso, só pegávamos ondas estouradas.

A próxima prancha de fibra  foi, provavelmente, a prancha mais bonita que  vi na vida. Era uma Surfboards Hawaii do Christian "Chaine " Frutig (que mais tarde produziria as lendárias Surf Champion), ele trouxe da Califórnia. Christian aprendeu em Dana Point a fazer pranchas e foi contratado pela Glaspac para assumir este departamento. Em pouco tempo as pranchas Glaspac dominaram e uma turma de santistas começou a aparecer no Guarujá com pranchas maravilhosas importadas: Dewey Weber, Gordon & Smith, Bing, Hobie e outras. 
Minha Glaspac quebrou e aí que descobri que era um protótipo mais leve e mais frágil.
Os pioneiros no Guarujá? Que eu saiba, até agora, eu sou o pioneiro paulistano, surfando com a prancha do santista. Demorou uns três meses para eu ver outro surfista no Guarujá, foi o Luís com a Glaspac. Em pouco tempo apareceram vários de uma vez e grande parte era do Colégio Santa Cruz. Tinha os 4 irmãos da família Orcesi da Costa, Chaine, meu primo Marcelo Villares, Paulo Kristian Orberg, Carlos Motta, Alfredo Pimenta, Fernando Millan, Fabio Madueño, José Maria Whitaker, Hirota, Alfio, Breda, Gui Melo, Fernando Rêgo, Alex Du Mont, Lars e Jaiminho. Esta era a turma básica dos paulistanos que surfavam mais em Pitangueiras (talvez tenha esquecido alguns). Na turma das Astúrias tinha o Luís, Egas, Teixeira, Magoo e Chicão. Na Enseada, Pernambuco e Tombo não tinha quase nada, mas alguns tinham prancha, apesar da pouca vivência em cima delas, como Gil Ribeiro, Roberto e Marcelo Aflalo, Lallado e Sergio Lunardelli. O Eduardo Prado do Guaiuba, a prancha dele foi uma das primeiras Glaspac. Também tenho que mencionar as mulheres. Surfistas mesmo foram três:  Renata Polisaitis e as minhas primas gêmeas Renata e Christine Muller. A Jéssica era a musa das Astúrias e tinha uma prancha, mas nunca a vi surfando.

Os santistas vinham surfar no Guarujá  em turma, mas não era frequente. Minha mãe ajudou muito nesta época, levando a turma toda de uma praia a outra com mais de 10 pranchas dentro da nossa perua Veraneio. Parecia aquelas fotos da Califórnia com pranchas por todo o lado e o pessoal em cima do carro. 

Agora, o destaque da turma toda era, sem dúvida nenhuma, o Silvinho Daige, filho do dono do Cine Praiano. O cara era um acrobata. A prancha MK I dele era completamente detonada e o que ele fazia em cima dela era mágico. Nenhum local do Guarujá surfava bem porque ele deve ter sugado o talento dos outros. Tenho imagens na memória inesquecíveis.
Dos surfistas da capital Paulo Kristian era o melhor desta nossa turma que escrevi aí em cima. Acho que esta turma durou até sair a Glaspac MK3, quando o esporte explodiu. O Paulo Kristian foi "O" surfista. Acho que nós dois éramos os mais fanáticos de toda a turma, mas ele estava num nível muito superior. Ele era gênio e sua genialidade levava a um surf incrivelmente puro, sem nenhum tipo de exibicionismo. Um tipo de personalidade que não existe no esporte e para o resto de nós, era só admirar alguém que estava muito acima da ralé (nós). Ele e o Silvinho, no extremo oposto, foram os verdadeiros surfistas desta época, anos 60. De longe!" completa Roberto.

FOTO TIRADA DE UM FILME SUPER 8 FEITO PELA MÃE DE ROBERTO STICKEL. 
SILVINHO DAIGE COM A SHORTBOARD AMARELA. 
FOI EM UM DOS CAMPEONATOS EM FRENTE AO CLUBE DA ORLA


FRANCISCO JOSÉ CHIARELLA mais conhecido como THYOLA
Nascido em 21 de junho de 1952 é um dos mais célebres moradores surfistas do Guarujá. Nasceu em São Paulo, estudou nos colégios Pio XII e São Luiz, começou a fabricar pranchas em 1969 (aos 17 anos) e foi dos primeiros paulistanos (moradores da capital) que se atiraram para ganhar a vida perto das ondas. Saiu dos apês de frente para o mar no Edifício Marulho e depois no Bonanza, para a rua de trás. Trocou a fábrica encravada no morro dos fundos das Pitangueiras por um terreno espaçoso na Rua do Sol e ouso afirmar que da fábrica de pranchas Lightning Bolt do Brasil saíram algumas das pranchas mais caprichadas e bem acabadas feitas em território nacional.
Ele conta: “Meu primeiro contato com o surf foi no verão de 1965 para 1966.
Vi dois franceses aqui no Guarujá e não falei com eles, depois sumiram, já tinham pranchas de fibra. Eu pegava onda deitado com planonda. Em seguida lembro de um carioca, Aru, que ficou hospedado no Marulho e tinha uma prancha vermelha em baixo e azul em cima, era uma madeirite e ele chegou a me emprestar esta prancha. Eu ficava dentro d’água, ao lado da prancha esperando a onda. Sem pé de pato. Na planonda eu já ficava de joelho, com esta consegui ficar de pé e cortar a onda.
A gente vivia na água. Nessa temporada do verão de 1966 não lembro de ter visto nenhuma outra prancha daquele lado de Pitangueiras entre a Ilha e o Canto do Maluf. Depois que o Aru foi embora, junto com meus irmãos pegamos uma placa de compensado, pegamos da praia, em frente ao Clube da Orla, que estava em obras. Não sabíamos nada, tentamos envergar. Foi só uma tentativa, esta prancha não durou muito.
Podemos dizer que o mais antigo surfista do Guarujá foi o Guaracy, o avô dele era o zelador do meu prédio, o Marulho. Ele gostava de cair quando o mar estava grande. Um pouco depois apareceram outros dois surfistas o Vigo e o Alan, que já tinham prancha São Conrado. O Fernando Rego tinha uma prancha Cyro. Depois eu e meus dois irmãos, Daco e Madinho Chiarella, ganhamos uma Glaspac. No primeiro verão tínhamos uma, depois no ano seguinte eram duas Glaspac para dividir entre os três.
Nessa época, para quem queria comprar uma prancha nova, tínhamos basicamente três opções: Procópio (madeirites), as Glaspac e Induma, que eram brancas e feitas em série, pré-moldadas.
Na segunda metade dos anos 60 a turma que começou a surfar no Guarujá foi o Roberto Teixeira, Lucha Figliolia, Luís Melo, Carlos Motta, Alfredo Pimenta, Serginho Lunardelli, Sidão Tenucci, Fernando Rego, Paulo Kristian... Não vou lembrar de todos, fomos nos conhecendo ali na praia.
Em 1969 meu pai conseguiu um amigo de Nova Iorque que trouxe três pranchas Hobie. Elas vieram de navio. Com o shaper Antonio Brito, antes de chegar a minha Hobie, chegamos a produzir as primeiras pranchas Moby. Já começamos com pranchinhas, tenho a foto da primeira Moby (mas preciso encontrar)... As primeiras pranchas foram quatro: a minha, do Britão, Marché (Marcelo Vilardi) e um colega do Colégio São Luiz, que depois parou de surfar. Os blocos nós mesmos expandíamos e depois passamos esta produção para o Paulo Issa. Ele fez uma forma de concreto, algo diferenciado, porque nós expandíamos dentro de uma caixa de madeira."

Essa história de blocos, pranchas mini models, roupas e acessórios...
Será contada nos capítulos adiante.


UBATUBA

Paulo Jolly Issa, nascido em 14 de agosto de 1949, é um dos mais velhos surfistas desta turma de desbravadores do surf, também começou a surfar em São Vicente, mas se tornaria um personagem lendário em Ubatuba.
Como ele foi parar lá?
“Meu pai praticava pesca submarina em 1964 e o batismo foi na Ilha Anchieta. Ele se encantou tanto pela região que comprou um terreno e fez uma casa na praia da Enseada, ficamos com esta casa até 1976.

PRAIA GRANDE, UBATUBA – 1967. FOTO DE PAULO ISSA 
COM SEU IRMÃO RICARDO ISSA E NELSINHO ALMEIDA.

“No começo éramos só nos três. Não víamos ninguém surfando. Depois apareceram o Renato e o Eduardo Ozores, depois o Rheiny, Livinho, Fabinho, Olavinho, João Bianchi o dono do Perequim.
Antes da praia Grande começamos a surfar na Enseada, ondas pequenas. A praia Grande foi a evolução. Ali tinha um jundu alto e o mar bravio. Ninguém ia para lá. Outra coisa curiosa que o nome praia Grande não é pela extensão e sim pela faixa de areia, que era enorme. Do jundu até a beira do mar era longe.”

Lyfe – Luiz Felipe Azevedo, criador do Ubatuba Surf Cam também deixou um relato histórico do surf em Ubatuba no site UBAWEB:
Cliquem para ler...

Paulo Issa comenta sobre o seu início no surf: “Em 1966 meu padrasto comprou uma revenda Volkswagen em Santos e fomos morar em São Vicente. Tive o primeiro contato com o surf ali na praia, fiquei conhecendo o pessoal todo lá. Minha primeira prancha foi de madeirite, os cabeças da turma eram o Cocó, Nelsinho Almeida, Fernando Mittelman – o Fernandão que acabou vencendo o campeonato do Guarujá em 1967, na categoria Junior. Meu irmão Ricardo Issa, três anos mais novo do que eu, começou nessa época também.
No tempo das madeirites éramos todos molecada e à noite saímos buscando as tábuas nos prédios. As formas das lajes eram de madeirite. Os caras se dependuravam para arrancar. Mais curioso era no momento de envergar as pranchas. Colocávamos uma pedra embaixo do bico, outra em cima e tacávamos fogo, em menos de um minuto já começava a envergar e quando chegava no ponto que queríamos... Jogávamos um balde d’água. As bolinas (aquelas grandes), tipo uma barbatana de tubarão fixávamos com mãos francesas. Ainda colocávamos um ripa em baixo como longarina. Pingávamos velas e a bermuda era uma calça jeans cortada.
Em 1966 era assim.”
Paulo Issa fez suas primeiras pranchas de fibra com Cocó. Na foto acima está uma delas. A outra é um modelo Glaspac.

GLASPAC

Nascimento da Glaspac, por Carlos Argento: “Di Renzo trouxe uma prancha fabricada nos EUA, do Rio de Janeiro, depois de uma competição de natação. Um belo dia ele e o amigo Miorim roubaram a DKW Vemaguet do pai e foram até a fábrica de buggy Glaspac, em Santo Amaro, na capital, para que o pessoal pudesse tirar o molde da prancha. Foi assim que nasceu a prancha MK I e o pior é que o Miorim ainda bateu o carro do pai”, contou Carlinhos.
O AUTOR COM UM MODELO DE PRANCHA GLASPAC MK3
ESTA PRANCHA ESTÁ NO MUSEU DO ALCINO PIRATA EM PITANGUEIRAS
A MINHA ERA AMARELA E VERMELHA
FOTO: SILVIA WINIK

As pranchas Glaspac eram as mais encontradas nas praias paulistas a partir da segunda metade dos anos 60. Os modelos foram evoluindo MK I, 2, 3... A mudança mais significativa era na quilha, o volume também foi diminuindo. Eu comecei a surfar com uma MK3 na Páscoa de 1969. Fiquei louco da vida quando voltei para a loja da Fiberglass Center, na Avenida Santo Amaro, especificamente para comprar exemplares da revista Surfer e me deparei em julho do mesmo ano, com o novo lançamento, uma mini model!?! Fiquei um ano e meio só com este pranchão Glaspac até outubro de 1970. Um pouco desta história está na postagem de 25 de abril de 2013 neste blog.
Um colega meu do Colégio Santo Américo comentou que deve me passar o contato do fundador da Glaspac – Surfboards Santo Amaro, lojas Fiberglass Center, que hoje reside na Europa.
Faz parte deste projeto ir encontrando as peças deste grande quebra-cabeça.

A história da evolução das pranchas, projetos criativos e revolucionários como os de Homero Naldinho, que precisa ser encontrado em “algum lugar de Bertioga” e outros desdobramentos serão desenvolvidos durante todo o ano de 2014...


CAMPEONATOS

Quatro campeonatos de surf formaram o alicerce do mundo competitivo do esporte no Estado de São Paulo ainda nos anos 60.
Foram três campeonatos patrocinados pelo Clube da Orla (hoje Shopping La Plage) em 67 \ 68 \ 69. Para dar lastro a estes eventos foram convidados surfistas do Rio de Janeiro, com nível muito superior, para estabelecer os critérios de julgamento e fazer exibições.

Em 1968 os pais dos Faggiano e dos Paioli organizaram um evento aberto para os surfistas do Rio de Janeiro ao lado da Ilha Porchat, em São Vicente.

Carlos Argento que chegou a vencer eventos na categoria Junior dos campeonatos do Guarujá tendo ao seu lado na final seu irmão Dudu, Cocó e Ney Sobral, comentou que neste evento da praia do Itararé Mudinho era o mais completo, arrasando todos os adversários da categoria principal. Rico era o mais jovem (mirim) e também já mostrou toda a sua competitividade no evento da Ilha Porchat.

Os resultados destes campeonatos serão compilados e apresentados em uma postagem especial futura e no livro.

Para maiores informações deixo um link para apreciarem uma matéria publicada na revista TRIP de número 157 no ano de 2007:


ILUSTRAÇÕES DESTES EVENTOS

EDUARDO NOGUEIRA, O PIOLHO FOI O PRIMEIRO CAMPEÃO EM SÃO PAULO



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quinta-feira, 28 de novembro de 2013

CAPÍTULO 6

OS GRANDES FESTIVAIS DE SURF "Ubatuba e Saquarema"

REPRODUÇÕES BRASIL SURF

INTRODUÇÃO
Este é o primeiro capítulo que aborda com maior profundidade as competições de surf realizadas no Brasil. Nos capítulos de “MEMÓRIAS” as competições aparecerão pontualmente, mas foram selecionadas seis eras de campeonatos que receberão um enfoque especial com capítulos grandes apresentados em diversas páginas, a saber:

OS GRANDES FESTIVAIS DE SURF - "Ubatuba e Saquarema"
WAIMEA 5000 - "Brasil no Circuito Mundial"
ESCALADA PROFISSIONAL - "Campeonatos pelo País Afora"
NASCE O CIRCUITO BRASILEIRO - "Formação da Abrasp"
WCT & WQS EM NOSSAS ÁGUAS - "ASP South America"          
SUPER SURF + BRASIL SURF PRO & "Momento Atual”

Apenas o primeiro destes capítulos será apresentado aqui no BLOG antes do lançamento do livro impresso.
Como pode ser verificado, alguns dos resultados ainda estão incompletos, pois o Projeto de Pesquisa segue por todo o ano de 2014. A comunidade do surf está convidada a participar com informações e sugestões. Além dos depoimentos aqui apresentados, muitos outros ainda serão colhidos e pesquisadas nos veículos da época.

Vamos ao primeiro esboço deste texto:

CAPÍTULO 6
Vinheta “CAMPEONATOS” (by TOM VEIGA)


Campeonatos de surf no Brasil começaram a ser organizados no Rio a partir de 1965, em São Vicente e no Guarujá a partir de 1967, porém o primeiro evento nacional, um marco na história do surf brasileiro, foi o Campeonato de Ubatuba de 1972.
Os festivais de surf dos anos 70 abriram o precedente para que o esporte viesse a se transformar em um dos mais bem organizados e estruturados, inclusive em nível internacional. Este capítulo tratará dos eventos que foram realizados nos anos 70 em Ubatuba e Saquarema. Não havia circuito brasileiro e os vencedores destes campeonatos (anuais), angariavam um respeito de “Campeão Nacional de Surf”. Eram o grande momento de congregação da tribo. Uma oportunidade de troca de experiências e alta evolução de performance.
É importante entender que o contato que o Brasil tinha com as forças internacionais do surf: Havaí, Califórnia, Austrália e até o Peru que já estava bem mais avançado que o Brasil e tinha um campeão mundial: Felipe Pomar em 1965, era mínima – principalmente através das revistas. Filmes eram raros e poucos brasileiros, como Penho, haviam tomado contato com o cenário internacional.
Os formatos de julgamento foram sendo estudados, construídos com informações e critérios que evoluíam anualmente. A princípio o próprio entendimento dos surfistas que competiam era baixo. Problemas de julgamento e dúvidas eram infinitamente maiores que as polêmicas atuais. O que era mais importante naqueles anos embrionários? 
A vivência e convivência. A evolução e consagração.

OS MELHORES DO BRASIL
O esporte surf, individual, estético e vigoroso, sempre foi uma forma de expressão corporal de gerar orgulho. Além do ato prazeroso em si de surfar bem uma onda, que surfista não gosta de saber se os amigos viram a sua onda, a manobra que pegou na veia? Os campeonatos expandem este universo para o público na praia e hoje até na internet. O surf tem estas duas vertentes de certa forma antagônicas, o surf livre (free surf) em sua expressão mais pura. E o clima competitivo, de comparação de performance, culminando como os campeonatos e seus campeões nos mais diversos escalões. O feeling do surf estará retratado em diversos momentos deste livro, os capítulos de campeonatos trazem especificamente a sensação da vitória, da superação, de “arrasar” todos os adversários e atingir o topo do pódio. O estrelato como um atleta de competição vencedor.
REPRODUÇÃO DO LIVRO "HISTÓRIA DO SURF NO BRASIL" DE ALEX GUTENBERG. 
SURFISTAS DECOLANDO PARA BATERIA EM ITAÚNA. RICO DE SOUZA EM UBATUBA E A 
EQUIPE MAGNO (A PRIMEIRA DO BRASIL) EM FOTO ANTOLÓGICA DE ROGÉRIO EHRLICH EM 1975 

Os principais surfistas brasileiros estarão presentes nestes capítulos. Começamos enfocando as competições da década de 70, especificamente os campeonatos de Ubatuba, os Festivais Nacionais, que começaram em 1972 e os eventos de Saquarema, a partir de 1975. 
Para ilustrar esta postagem do blog estarei me baseando principalmente em reproduções da minha coleção de revistas e imagens garimpadas da web. Para o livro impresso primaremos pela qualidade e tratamento das imagens históricas mais relevantes e impactantes.
Vamos a uma viagem cronológica partindo do início dos anos 70.

NASCE O FESTIVAL DE UBATUBA
Paulo Jolly Issa, nascido em 1949 e seu irmão Ricardo foram dos pioneiros do surf paulista. Começaram surfando com uma prancha de madeirite, no ano de 1966 em São Vicente. Um dos primeiros a desbravar as praias de Ubatuba, acabou estabelecendo um padrão nacional para a organização de campeonatos de surf. Pesquisou regras, foi juiz, fundou a ASU (Associação de Surf de Ubatuba) e atingiu a presidência da Abrasp em 1988. Um “professor” em termos de fazer um evento de surf acontecer como um relógio suíço. Como trabalho principal dirigia a fábrica de pranchas Squalo, trabalhando com diversos shapers. A fábrica orbitava ao redor deste universo, Paulo chegou a investir capital da Squalo para manter a ASU operando.

Vamos deixar ele contar o início dessa história: “Os anos 50, 60 e 70... Foi uma época em que o surf estava em ebulição. Fatos novos aconteciam a todo o instante. Novos picos, evolução das pranchas, surfwear, campeonatos maiores...”
Paulo Issa continua, “Em 1970 foi realizado um primeiro campeonato em Ubatuba, quem organizou foi um pessoal da Boate Da Pesada, frequentada pelos surfistas de noite na praia do centro. O primeiro evento teve vinte e poucos participantes, só o pessoal que surfava em Ubatuba. Surfamos no Baguary da praia Grande e os juízes sentavam em cadeiras de alumínio. Eu acabei ficando em primeiro, com meu irmão Ricardo Issa em segundo, na final ainda estavam Renato e o Fabinho Madueño. O Bruzzy era o mascote da turma com 13 anos.
RICARDO ISSA ITAMAMBUCA. 
FOTO: KLAUS MITTELDORF

Para o segundo campeonato, em 1971 eu e meu primo fizemos umas cartolinas, escrevemos à mão: ‘Campeonato de Surf – Ubatuba...’ e fomos de Fusca, saímos às 6 da manhã para o Guarujá, afixamos no centrinho, na sorveteria, não falamos com ninguém e fomos embora para Ubatuba. Eu lembro que um dia antes do campeonato, janeiro de 1971, estávamos treinando ali na praia Grande e de repente vimos uma caravana, com diversos carros com pranchas na capota. A turma veio!!! Uma galera de uns quinze em três a quatro carros. Veio Égas, Roberto Teixeira... O Thyola foi um dos juízes. Égas Muniz Atanázio era o favorito, mas quem acabou ganhando foi o Zé Maria Whitaker. O Égas tinha um surf australiano, ele estava com uma São Conrado biquilha, de rabeta larga e fazia manobras que ninguém conseguia igualar.
ÉGAS, INDISCUTIVELMENTE O MAIS TALENTOSO SURFISTA DO GUARUJÁ NO INÍCIO DOS ANOS 70.
FOTO ARQUIVO PESSOAL PARDAL (GUARUJÁ DAS ANTIGAS)

No final de 71 criei a ASU (Associação de Surf de Ubatuba), já pensando no campeonato de 1972. Para este já fizemos cartazes com silk. Pegamos o carro e fizemos a mesma coisa, mas em três finais de semana diferentes, para Santos, depois o Rio e também Guarujá. Consegui inserir chamadas na Rádio Mundial do Rio. Veio bastante gente. O segundo campeonato foi em barracas, mas para este terceiro evento já consegui um palanque com a Prefeitura de Ubatuba. Fizemos duas fases e as ondas ficaram muito pequenas, lembro que subi em cima do palanque e falei: o campeonato está adiado para julho.”
Naquele janeiro de 1972 Paulo Issa não teve outra opção. Vou deixar aqui um relato particular de minha experiência. Também vi aqueles cartazes na sorveteria do centrinho do Guarujá. E ouvi meus amigos, que haviam participado do campeonato de 1971, apenas com surfistas de Ubatuba e do Guarujá, falarem muito bem do astral da competição. Em 1972 eu sabia que o evento seria nacional e teríamos a oportunidade de ver os cariocas surfando. Eu tinha 15 anos, surfava há três anos e numa manhã de janeiro parti com meu pai e meu irmão. Do Guarujá fomos até Bertioga atravessamos a balsa e seguimos por 100 quilômetros de terra e areia, até a Cidade de São Sebastião. Nesse trecho a Rio-Santos era uma estrada de terra, a serra de Maresias enlameada era um “Deus nos Acuda”. Nos trechos iniciais das praias maiores – Bertioga, São Lourenço, Itaguaré, Guaratuba e Boraçéia o carro descia para a areia e disparávamos por aquelas praias amplas e desertas. O problema ali eram os diversos riachos que desciam até o mar, às vezes cavavam degraus perpendiculares à praia e o carro saltava se atingisse um desses em alta velocidade. O problema maior era na maré cheia, muitos carros foram engolidos nesse percurso. Ao chegar nos morros que separavam as praias tínhamos de voltar para a estrada de terra subindo naqueles “areiões” fofos, que também eram outra armadilha convidando para uma atolada. Fazia parte da aventura. O pior foi quando no início da tarde enfrentamos uma chuva de verão daquelas. O trecho final, de Maresias até São Sebastião, quase todo em serrinhas de sobe e desce, foi realizado a 20 por hora, com derrapagens controladas. Sorte que meu pai era um bom piloto. Mais um festival, um verdadeiro campeonato, de curvas de Caraguá até Ubatuba, agora no asfalto, quando o carro apontou na praia Grande já era noite. Sete, quase oito horas depois que saímos do Guarujá, vimos o palanque, algumas barracas, mas fomos procurar um hotel no centro.
O PALANQUE NA PRAIA GRANDE DE UBATUBA, I972.
FOTO ARQUIVO PESSOAL PAULO ISSA.
REPRODUÇÃO DO LIVRO DE ALEX GUTENBERG, 
PUBLICADO PELA EDITORA AZUL.

Na manhã seguinte o 3º CAMPEONATO DE SURF – UBATUBA 72, o primeiro “Festival Nacional” começou em ondas bem formadas de meio metrinho no canto esquerdo da praia Grande. O surfista que mais me chamou a atenção por sua apresentação foi Rico de Souza, com estilo ágil, buscando aproveitar todas as seções da onda, fazendo hang fives “strech”, com cinco dedos no bico de sua pranchinha. Daniel Friedmann, Carlos Mudinho e outros que eu nem sabia quem eram, me impressionaram. Meu ambiente de surf era o da praia de Pitangueiras no Guarujá. Lá havia grandes surfistas como Roberto Teixeira, Égas, Zé Roberto Rangel... Mas o nível dos surfistas cariocas era muito superior. Passei uma bateria e perdi na segunda fase. O campeonato foi paralisado por falta de ondas. Um amigo do Guarujá me convidou para ir conhecer uma praia secreta. Paulão (Paulo Kristian Orberg) tinha uma VW Variant e partimos para Itamambuca, por uma estrada sinuosa, com pontes de madeira e muita mata. Quase uma hora depois chegamos na desembocadura de um rio e... Incrível!!! Ondas de um metro e meio abriam lisas e perfeitas. A praia Grande estava praticamente flat. Só nós dois na água, por mais de uma hora, apenas uma mutuca apareceu no outside nos perseguindo. O jeito foi driblá-la com uma série de cutbacks.
Esse pico secreto não seria guardado à sete chaves por muito tempo. Não fui para o Festival de Ubatuba em 1973, mas no evento de 74, quando voltei, ele foi todo disputado lá, em altas ondas. Lembro de uma cena que ficou gravada em minha cabeça. Nas seções de free surf antes do campeonato, um surfista do Rio de Janeiro pegou um tubo alucinante, na minha cara, em uma direita na boca do rio. Fui perguntar quem era: Marcos Berenguer. Ele acabou vencendo aquele campeonato de 1974.
MARCOS BERENGUER NO CANTO DE ITAMAMBUCA.
FOTO BRASIL SURF

OS PRIMEIROS NACIONAIS DE UBATUBA
Em julho de 1972, quando a turma voltou a Ubatuba, em pleno inverno, a fama do campeonato estava angariada, além dos surfistas que estiveram lá em janeiro, apareceram muitos mais, até de outros estados. Paulo Issa: “Começamos da estaca zero, vieram muito mais surfistas. O Rico venceu, o surf dele era muito evolutivo, andava com uma velocidade incrível, usava muito a parte da frente da prancha. Nestes primeiros eventos julgávamos em cadeirões e a preocupação maior era ir atrás das melhores ondas. A final de 1975 foi transferida para a praia Vermelha do Norte.”
O campeonato de 1973 teve suas eliminatórias na praia Grande e as finais foram realizadas em Itamambuca. Já naqueles primeiros eventos, além do apoio da prefeitura da cidade, Paulo isso conseguiu alguns apoiadores:
PATROCÍNIOS
73 Varig - Rico ganhou uma passagem para o Peru (depois ele estendeu para a Califórnia)
75 Gledson – material, cartazes, troféus, faixas, camisetas

RESULTADOS
Festival Brasileiro de Surf de Ubatuba (SP)

1972 Rico de Souza (RJ)
2º Marcos Berenguer (RJ)
3º Daniel Friedmann (RJ)
4º Betão Marques (RJ)
5º Ricardo Bocão (RJ)

ÚNICA FOTO DO PÓDIO ENCONTRADA DO PRIMEIRO FESTIVAL DE UBATUBA EM 1972.
BETÃO (4), BERENGUER (2) RICO (1) DANIEL (3) BOCÃO (5). AUTOR DESCONHECIDO?
PAULO ISSA ENTREGANDO AS PREMIAÇÕES

1973 Rico de Souza (RJ)
2º Rossini Maraca (RJ)


1974 Marcos Berenguer (RJ)
2º Daniel Friedmann (RJ)

DANIEL FRIEDMANN, ITAMAMBUCA. FOTO KLAUS MITTELDORF

1975 Otávio Pacheco (RJ)
2º Carlos Mudinho (RJ)
3º Lary Ipanema (RJ)
4º Juan Alberto (RJ)
5º Cisco Araña (SP)
6º Décio Dias (SP)
O FOTÓGRAFO BRUNO ALVES ORGANIZOU UM BELO BLOG COM O ACERVO DE 
IMAGENS INCRÍVEL. PROCUREM O BAÚ DE KLAUS MITTELDORF NOS ANOS 70

O campeonato de Ubatuba não ocorreu nos anos de 1976 e 1977, voltando em 1978 com o bicampeonato de Otávio Pacheco. A lacuna não foi tão sentida porque já em 1975 nascia o Festival de Saquarema, que teria seus anos áureos justamente neste período.

FOTOS DE NILTON BARBOSA NA BRASIL SURF, 
1978 COM OTÁVIO PACHECO ACIMA,
 MAIS WADY, CISCO, CACAU e PAULO PROENÇA

SAQUAREMA
Destaco que Saquarema será protagonista de um capítulo inteiro do livro com a vinheta “PICOS DE SURF”, portanto aqui o foco será sobre as competições lá realizadas.
Quando foi lançada a revista BRASIL SURF em uma de suas páginas da primeira edição foi apresentada uma lista de convidados – abaixo:


O primeiro CAMPEONATO DE SAQUAREMA foi realizado em maio de 1975, a cobertura do evento saiu na edição número dois da Brasil Surf e trazia o seguinte parágrafo: “O IV Festival Nacional de Surf se caracterizou por quilos de gente dos lados dos palanques, batalhões de guardas, salva-vidas, pescadores, jurados, helicópteros, prefeito, máquinas fotográficas, binóculos, câmeras de TV, gatas e até surfistas.”
GUSTAVO CARREIRA, FOTOS DE MÚCIO SCORZELLI PARA A BRASIL SURF

Assim foi marcada a estreia do “Maracanã do Surf” (ainda nem haviam inventado esta alcunha) para as competições de surf. De 1975 a 78 ocorreram quatro eventos épicos. Em 79 e 80 o campeonato de Saquarema também teve um hiato por falta de patrocínio.
Os resultados eram um verdadeiro “quem é quem” do surf brasileiro na época:
RESULTADOS
Festival Nacional de Surf de Saquarema - Rio de Janeiro

1975 Betão Marques (RJ)
2º Ricardo Kadinho (RJ)
3º Rico de Souza (RJ)
4º Paulo Proença (RJ)
5º Otávio Pacheco (RJ)
6º Rossini Maraca (RJ)

RICO SAQUAREMA 1976 - FOTOS BRASIL SURF

1976 Daniel Friedman (RJ)
2º Paulo Proença (RJ)
3º Pepê Lopes (RJ)
4º André Pitzalis (RJ)
5º Cauli Rodrigues (RJ)
6º Paulo Rebbechi (RJ)
7º Lary Ipanema (RJ)
8º Betinho Lustosa (RJ)
9º Rico de Souza (RJ)
10º Marcos Berenguer (RJ)

RONALDO LUDOVICO E PEPÊ LOPES, SAQUAREMA - BRASIL SURF. FOTOS RATINHO E FREDDY KOESTER

1977 Pepê Lopes (RJ)
2º Daniel Friedman (RJ)
Ricardo Bocão (RJ)
Fábio Pacheco (RJ)
5º Otavio Pacheco (RJ)
6º Rico de Souza (RJ) (CHECAR ORDEM CORRETA)

CAULI RODRIGUES ENCAIXADO, SAQUAREMA 78. EXTRAÍDO DA BRASIL SURF

1978 Cauli Rodrigues (RJ)
Ianzinho Martins (RJ)
3º Otávio Pacheco (RJ)
4º Rico de Souza (RJ)

Em 1975 a Brasil Surf publicou os resultados de duas categorias, além da principal, já havia a JUNIORS para surfistas com menos de 18 anos.

REPRODUÇÃO DE PÁGINA DA BRASIL SURF – ANO 1 – N. 2 JUL/AGO 75

Para estes primeiros campeonatos os surfistas enfrentaram todos os tipos de condições, de ondas pequenas e tubulares com terral, abrindo direitas e esquerdas, a mares de responsabilidade e pressão. Em 1975 os finalistas decidiram o campeão em ondas pesadas. Betão o vencedor levou uma passagem da Pan-Am (que era a principal patrocinadora) para o Havaí.
Em 1976, devido ao sucesso do evento inaugural, a Rede Globo entrou na parada, bancando a realização ao lado da Riotur e da Flumitur, já tendo as lojas Ala Moana atuando na promoção. A Ala Moana acabou sendo a patrocinadora principal dos campeonatos de 1977 e 1978. Em 1981 Saquarema voltaria ao cenário com patrocínio do Guaraná Brahma.
RITA LEE, FOTO FEDOCA

O Festival de 1976 tomou grandes proporções com a mídia da Globo, além de outros veículos como o Jornal do Brasil, Canal 100 e revista POP da Editora Abril. Um festival de rock também trouxe um grande público não só dos interessados no surf, mas também hippies e pessoas que queriam viver aqueles dias de liberdade e curtição.

REPRODUÇÃO DA REVISTA SUPER SURF EDITADA EM 2005

CURIOSIDADES SOBRE O EVENTO DE SAQUAREMA
Uma característica destes campeonatos era de serem realizados apenas nos finais de semana, caso as ondas estivessem pequenas, ou não fosse possível finalizar as baterias previstas até domingo... A continuação seria no próximo sábado.
Em 1975 foi fundada a ASS (Associação de Surf de Saquarema), seguindo os moldes da homônima de Ubatuba.
A sequência de competições que foi deflagrada nos anos 1970 fez com que a estruturação do surf fosse buscada, incansavelmente. O único veículo especializado da época, a Brasil Surf, sempre apontava sugestões e críticas visando uma evolução do esporte em todos os sentidos.
Alex Gutenberg, em seu livro “A História do Surf no Brasil”, de 1989 coloca, “Desde que foram inventados os festivais, o surf cresceu bastante, virou moda, cativou a juventude e explodiu em Saquarema... cidade que foi levada junto com o esporte/atividade/entretenimento chamado surf aos limites mais suportáveis possíveis de energia, divulgação e até confusão. Mexeu com a sociedade do final da década...”
PAULO TENDAS, ITAÚNA - FOTO KLAUS MITTELDORF

Outro aspecto interessante era o julgamento e a construção das listas de convidados, sempre controversas. O número total foi diminuído após os primeiros eventos. A maioria dos convidados eram do Rio e Manoel Urbano, dono da Ala Moana, solicitava que Paulo Issa montasse uma pequena lista de paulistas, baseada no ranking dos campeonatos de Ubatuba. Paulo Issa também era convidado para julgar os campeonatos de Saquarema, atuou ao lado de Penho, Piuí, Mário Bração e também Persegue em alguns eventos. As notas eram somadas pelas meninas.
WANDERBILL - EXTRA JURI, PRANCHETA IMPROVISADA EM SAQUAREMA.
CUTBACK IMPONENTE DE DANIEL FRIEDMANN

Naquele tempo o bairrismo entre paulistas e cariocas (principalmente), mas entre surfistas do Guarujá e Santos também, era bem mais forte que hoje em dia. Paulo Issa conta um episódio folclórico, hilário e até assustador do campeonato de Saquarema de 1978: “Teve uma bateria que foi o Paulo Tendas, do Guarujá, contra o Ratão (Paulo Proença). O Paulinho arrasou e todos os juízes deram empate. Mas na minha prancheta o Tendas havia vencido por uns 6 a 7 pontos. Eram quatro juízes e naquela época não descartava nenhuma nota. Invadiram a água, invadiram o palanque. Ficou aquele burburinho e quem foi o xerife da história? O Bocão.”
Bocão falou: “Ele tem a opinião dele, ele é juiz. Ele tá dando a nota, é o Paulo Issa.” Foi o que segurou, porque o pessoal ia virar o palanque. Ele foi um escudeiro ali – comentou Paulo Issa.
Como foi resolvida essa situação? Acabaram “repescando” os terceiros resultados e chamaram mais outros surfistas... E o campeonato, ao invés de terminar neste final de semana, acabou sendo adiado para o seguinte.
Paulo Issa ainda acrescenta: “Os problemas de julgamento eram grandes. Foi em um lugar neutro - Ubatuba, que os eventos conseguiram crescer. Em Saquarema a gente se sentia totalmente coagido, você tinha que dar nota porque o cara estava gritando ali. A credibilidade do evento ficava comprometida.” Problemas desse tipo dificultavam que o surf angariasse mais patrocinadores.

JULGANDO EM CADEIRÕES – OS IRMÃOS ISSA E PENHO, EM UBATUBA.
FOTO KLAUS MITTELDORF

Nem todas as situações complexas tiravam o brilho destes belíssimos campeonatos. O trecho abaixo foi tirado do BLOG DataSurf:
http://www.datasurfe.com.br/ Vale a pena dar uma navegada por ele - MUITOS RESULTADOS.

Festival de Surfe de Saquarema 76
Local: Itaúna, Saquarema (RJ)
Data: 21 a 23 de maio de 1976

Resultado
1. Daniel Friedmann (RJ)
2. Paulo Proença (RJ)
Informações complementares:
Foi a segunda edição da competição em Saquarema.
Nelson Motta organizou um festival de música - Som, Sol e Surf - que reuniu público de 30 a 40 mil pessoas; considerado o "Woodstock brasileiro". Houve apresentações de Raul Seixas, Bixo da Seda, Made in Brazil, Rita Lee & Tutti Frutti, Flamboyant, Ronaldo Rosedá y Banda e Flavio y Spiritu Santo. 
Segundo a revista Música (nº 2, julho/1976), "com cerca de dez mil habitantes, Saquarema foi sacudida de repente por 40 mil pessoas, de muitos lugares diferentes, atraídos por dois grandes acontecimentos: o 2º Campeonato de Surf, que escolheu um campeão para representar o Brasil no Havaí, e o 1º Festival de Rock (...) Rita Lee só chegou no domingo, de avião, e encerrou o festival (...) com o lançamento de músicas do novo LP (Entradas e Bandeiras) (...) Raul Seixas apresentou-se no sábado, fez uma apologia ao diabo e um discurso que sacudiu a multidão."
Rogerio Martin disse...
Este campeonato foi a minha primeira viagem para surfar, alias a minha primeira viagem sem meus Pais, tinha 14 anos na época. E a final ficou gravada em minha memória, uma disputa incrível entre Otavio Pacheco e Daniel Fridemann, o mar estava enorme, 3 metros lá na laje. Após tocar o sinal de final de bateria os dois desceram uma onda juntos e foram trocando de posição até o meio da Praia. Foi demais.

REPRODUÇÃO DE PÁGINAS DA BRASIL SURF



DE VOLTA A UBATUBA
Depois que os campeonatos de Saquarema deram um breque os eventos de Ubatuba voltaram para os últimos anos da década, com patrocínio de empresas como a US Top (Alpargatas) e da Yamaha (motos).

VISUAL ESPORTIVO NÚMERO 1
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Festival Brasileiro de Surf de Ubatuba (SP)

1978 Otávio Pacheco (RJ)
2º Cauli Rodrigues (RJ)
3º Ricardo Bocão (RJ)
4º Jean Noel (RJ)
5º Rico de Souza (RJ)
6º Cacau Falcão (RJ)

ITAMAMBUCA 1978, TARGÃO, CAULI E PAULO TENDAS. EXTRAÍDOS DA BRASIL SURF.

1979 Cauli Rodrigues (RJ)
 Dodo Von Sydow (SP)
3º Rico de Souza (RJ)
4º Roberto Valério
5º ?


PÓDIO DE 79, CAULI NO TOPO

1980 Paulo Rabello (SP)
Paulo “Pateta” Costa (RJ)
3º Cisco Araña (SP)
4º Paulo Tendas (SP)

PAULO RABELLO, PRIMEIRO SURFISTA DE SÃO PAULO A VENCER O FESTIVAL NACIONAL DE UBATUBA, ASSUNTO PARA CAPÍTULO FUTURO

A década de 80 e seus eventos, serão foco de capítulos futuros.
A CONSTRUÇÃO DESTE CAPÍTULO – E DE TODOS OS OUTROS QUE ENVOLVEM COMPETIÇÕES E RESULTADOS, ESTÃO SUJEITOS A UM PROFUNDO CRUZAMENTO DE INFORMAÇÕES